Como prever a gravidez de clientes aumenta as vendas – Caso Target

analise preditiva, big data, marketing, varejoProvavelmente este foi o caso da análise preditiva de maior repercussão nos EUA, tanto pelo seu sucesso analítico quanto em provocar a importante discussão sobre privacidade na era do big data.

O ano era 2010. Andrew Pole, um estatístico da Target, a gigante varejista norte-americana, estava fazendo uma apresentação na conferência Predictive Analytics World (evento dedicado à análise preditiva) sobre suas conquistas no campo da ciência de dados.

Liderando uma equipe de analistas de dados, Pole criava modelos preditivos capazes de conhecer a fundo os hábitos de compra de seus clientes no intuito de aumentar as vendas.

A ideia consistia em formar um “perfil” de cada consumidor, com base em dados demográficos e comportamentais a fim de oferecer, antecipadamente, os produtos que ele estava mais propenso a comprar, antes mesmo do próprio consumidor decidir o que entraria em sua lista de compras. Afinal, servir melhor o cliente é uma das principais razões da existência do marketing.

Um cliente comprou lençóis, comida congelada, tolhas e panelas? Provavelmente estamos falando de alguém que está se mudando ou que acabou de se divorciar. Na difícil tarefa de entender a cabeça do consumidor, os modelos matemáticos da Target previam se um cliente tinha crianças pequenas em casa ou se era solteiro; se gostava de sair ou se era mais caseiro; e coisas do tipo.

Com milhões de consumidores diariamente visitando as lojas da varejista, comprando online, trocando cupons por descontos, usando o cartão fidelidade e pagando com o cartão de crédito da rede, uma pletora de dados é gerada a cada segundo. Uma verdadeira mina de ouro para profissionais como Pole.

Um belo dia, Pole foi abordado por colegas do departamento de marketing que lhe perguntaram se era possível prever se uma cliente estava grávida. Considerando que projetos de análise preditiva aplicados a marketing costumam prever hábitos de compra, esse não era o tipo de informação de interesse direto de profissionais de marketing. Por outro lado, saber se uma cliente estava grávida poderia ser um forte indicador preditivo sobre hábitos de compra para uma série de produtos. Com um pequeno consumidor a caminho, não apenas os gastos dos pais tendem a aumentar, como também muito provavelmente faz com que eles sigam comprando na Target por anos a fio.

Desafio lançado, Pole mergulhou de cabeça no projeto. Mas se para fazer previsões é necessário ter à mão dados históricos (casos positivos e negativos) sobre aquilo que se quer prever, como seria possível antecipar se uma cliente estava grávida? Por que alguma cliente deliberadamente informaria a Target sobre sua gravidez? A resposta é simples. A varejista oferece um serviço chamado “Registro de Bebês” onde clientes não apenas informam sua gravidez, como também a data estimada do nascimento. Além disso, a Target desenvolve outras iniciativas de marketing em que as clientes informam sua gravidez, fornecendo assim dados históricos que servem como casos positivos (“estou grávida”) para o desenvolvimento dos modelos preditivos.

Ao cruzar esses dados com os registros de compras de suas clientes, a empresa conseguiu desenvolver um modelo que previa com bastante exatidão se ela cliente estava grávida ou não, incluindo clientes que nunca haviam fornecido qualquer informação que sugerisse uma gravidez.

O modelo final levava em conta cerca de duas dúzias de produtos e pagamento com cartão de crédito ou cartão fidelidade da rede, além da apresentação de cupons de ofertas pelas clientes. As principais variáveis preditivas identificando as futuras mamães incluíam um carrinho carregado de loção corporal neutra por volta do terceiro mês da gestação, seguido algumas semanas depois da compra de suplementos vitamínicos como magnésio, cálcio e zinco.

O modelo permitiu à Target identificar 30% mais clientes grávidas para direcionar vendas de produtos da categoria bebês. E ao dirigir essas ofertas antecipadamente ao nascimento dos bebês, as vendas aumentaram, conforme planejado. Um caso de sucesso em marketing!

Fluxo de Dados do Cliente Target

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Além de prever a gravidez de suas clientes, a Target conseguiu até prever quais canais de comunicação gerariam melhor resultado para a empresa, cliente a cliente, priorizando os canais de melhor resultado para cada uma.

Mas foi apenas em fevereiro de 2012 que a história do sucesso analítico da Target ganhou as manchetes dos principais noticiários dos EUA, rapidamente virando comoção nacional. Com a publicação do artigo intitulado How Companies Learn Your Secrets (“Como as Companhias Descobrem Seus Segredos”) no New York Times, o repórter Charles Duhigg fez uma cobertura para lá de tendenciosa, demonizando a análise preditiva como um todo e sugerindo cautela aos consumidores de redes como a Target pois, segundo ele, essas empresas os espionavam com o intuito exclusivo de arrancar-lhes mais dinheiro.

Charles foi além e até atribuiu à Target uma história sobre um pai que se queixou à varejista sobre os produtos que constavam em uma mala direta endereçada a sua filha. A história até rendeu um vídeo, com narração em tom dramático e direito a fundo musical de suspense (abaixo, em inglês).

Segundo o repórter, cerca de um ano após o lançamento do modelo preditivo de Pole, esse pai, muito irritado, teria se dirigido a uma loja da Target no estado de Minnesota, anúncio na mão, demandando falar com o gerente. Ao ter seu pedido atendido, teria dito: “Minha filha recebeu isso pelo correio! Ela ainda está no ensino médio e vocês estão mandando para ela cupons de roupas de bebê e berços? Vocês estão tentando incentivar minha filha a engravidar?“. O gerente teria ficado um pouco confuso, mas eventualmente teria entendido a razão da fúria do pai e se desculpou. Alguns dias depois, o gerente teria ligado para o cliente para se desculpar novamente quando, para sua surpresa, teria ouvido as seguintes: “Tive uma conversa com minha filha. Pelo jeito estão acontecendo coisas nesta casa das quais eu não estava totalmente ciente. Ela vai ter o filho em agosto. Eu lhe devo um pedido de desculpas.”

Lenda ou verdade, o fato é que o artigo bombástico ajudou Charles a catapultar seu livro “O Poder do Hábito”, lançando à mesma época do artigo, para o topo da lista do mais vendidos do New York Times, Amazon e USA Today. Coincidentemente, o vídeo acima também promovia seu livro.

Oportunismo? Cada cabeça uma sentença.

A explosão de dados e nossa crescente capacidade de armazená-los, processá-los e combiná-los a outros dados para criar “perfis de comportamento” individualizados, invariavelmente levanta a questão da privacidade, um assunto tão sensível quanto atual.

Possivelmente muita gente se sentiria incomodada em saber que empresas estão, neste exato momento, coletando seus dados para fazer algum tipo de previsão sobre seu comportamento. Mas usar informações para conhecer (e atender) melhor um cliente não quer dizer que ele esteja sendo tratado como um rato de laboratório, que a Target tenha algum poder “sobrenatural” para ler a mente das pessoas ou que tenha contratado uma horda de espiões para bisbilhotar sua intimidade.

Em meio à enxurrada de manchetes apontando o dedo em desaprovação para a empresa, curiosamente ninguém se lembrou do fato que Pole, lá trás em sua apresentação de 2010, fez questão de destacar que a Target seguiu à risca a legislação em vigor tratando de privacidade e de uso de dados.

Em resposta à tempestade de relações públicas, a Target mudou sua prática de promoção de produtos para bebês dirigida a gestantes. Agora, ao invés de enviar uma mala direta destacando exclusivamente produtos para bebês, ela passou a enviar um catálogo de produtos sortidos, incluindo, naturalmente, produtos para bebês. Passado o frenesi a vida seguiu em frente. Há algum tempo muitos dos principais varejistas usam os dados de seus clientes para aumentar vendas, reduzir tempo de estoque (o que pode reduzir os preços dos produtos), ao mesmo tempo em que atende melhor às demandas dos consumidores. Estamos falando de empresas como a Amazon, AB Inbev, HP, Bank of America, Best Buy, Walmart e muitas outras.

Há anos muitos outros tipos de previsões vêm sendo feitas e usadas na tomada de decisões muito mais sensíveis, como governos usando algoritmos para classificar alguém como terrorista ou o sistema penitenciário consultando supercomputadores que recomendam (ou não) a concessão de condicional para presidiários, negando o benefício para aqueles com maior risco de reincidência. Em tempo, esse último sistema já é usado por cerca de metade dos estados nos EUA!

Há muito ainda a ser debatido sobre privacidade (ou a falta dela) e os limites no uso, combinação e produção de dados. Historicamente, a velocidade dos avanços tecnológicos é muito superior à da legislação. E no caso da análise de dados, parece muito superior à nossa própria capacidade como sociedade de entender e lidar com a revolução do big data.

“Acredito que, do ponto de vista ético, quanto mais as pessoas conhecerem esta tecnologia [análise preditiva], quais dados estão disponíveis ou existem, quanto mais transparência houver, melhor. Com um maior nível de conhecimento do público, maior será a qualidade do debate sobre privacidade”, afirma Eric Siegel, fundador do Predictive Analytics World, conferência onde, inadvertidamente, Pole abriu a caixa de pandora em 2010.A análise preditiva é uma tecnologia emergente que está revolucionando a maneira como combatemos fraudes, melhoramos o tratamento de doenças, evitamos acidentes, oferecemos produtos e serviços e prevemos quais faróis vão pifar – previsão esta que seria muita bem-vinda em cidades como São Paulo em dias de chuva.

As previsões produzidas por esta tecnologia representam apenas um de muitos instrumentos utilizados na tomada de decisões. Não nos tornamos escravos dos algoritmos. Apenas reconhecemos que eles nos ajudam a acertar com maior frequência. Portanto, precisamos saber diferenciar o conhecimento sobre ciência de dados da desinformação, por vezes, propagada pela grande imprensa (não-especializada). É nosso dever evoluir sem abrir mão dos aspectos éticos envolvidos na aplicação da análise preditiva. Uma tarefa indelegável às máquinas.

 

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